
A semana foi marcada por intensos movimentos em torno do tema mais sensível entre os produtores rurais e comunidades indígenas no Brasil: o marco temporal. Em reunião na última terça-feira (17), o ministro do STF, Gilmar Mendes, relator da ação que discute a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 — que restabelece a tese do marco temporal — defendeu uma saída de “concerto institucional” entre os Poderes e alertou para a necessidade de evitar novos conflitos no campo.

“Não podemos deixar que a insegurança jurídica se transforme em combustível para mais violência. É preciso buscar soluções equitativas, que envolvam indenizações justas e pacificação”, declarou o ministro durante reunião com parlamentares e representantes do Executivo.
A fala de Gilmar Mendes foi recebida com atenção pelas entidades do setor agropecuário, como a Famasul, que tem atuado de forma ativa na defesa dos produtores rurais do Mato Grosso do Sul — um dos estados mais afetados pela indefinição sobre demarcações.
Para o presidente da Famasul, Marcelo Bertoni, o momento exige coesão entre os poderes e respeito ao direito de propriedade. “É hora de construir soluções com base na legalidade, na dignidade humana e na história de quem produziu sob as regras do próprio Estado. Segurança jurídica não é privilégio; é condição básica para o país continuar produzindo com paz e responsabilidade”, tem afirmado o dirigente em suas agendas em Brasília.

Caso em Antônio João: um precedente histórico no STF
Na prática, a busca por compensações justas já começa a tomar forma no Mato Grosso do Sul. Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito de indenização pela terra nua a uma família produtora da região de Antônio João (MS) — um marco jurídico que pode alterar o rumo de diversas disputas fundiárias no país.
O imóvel, localizado na Fazenda Inho, pertence à família do produtor José Carlos Savaris, que adquiriu a área com escritura pública registrada e teve a posse interrompida após a terra ser reconhecida como de ocupação tradicional indígena. A decisão do STF determinou que a indenização seja integral, incluindo não apenas as benfeitorias, mas também o valor da terra — um avanço em relação ao entendimento anterior, que previa compensações parciais.
“Essa decisão nos dá esperança de que o Estado finalmente assuma a responsabilidade por essas situações. Ninguém aqui invadiu terra. Tudo foi comprado com esforço e dentro da lei”, declarou José Carlos Savaris, durante reunião com a Famasul nesta semana.
O caso, inédito no Brasil, representa uma sinalização clara de que a pacificação no campo passa por políticas públicas de compensação e responsabilidade estatal, e não pela criminalização dos produtores que agiram de boa-fé.
A Famasul acompanha o caso de perto e avalia que ele abre precedentes importantes para mais de 80 processos de demarcação em curso no estado. “O que vemos aqui é o resultado de um trabalho de anos pela valorização do direito de propriedade e da dignidade de quem produz. Essa vitória é de todos os produtores de MS”, destacou o presidente da entidade, Marcelo Bertoni.
MS: território sob tensão
Mato Grosso do Sul é palco de mais de 80 processos de demarcação, segundo levantamento da Famasul. Muitos desses processos envolvem propriedades produtivas e tituladas legalmente há décadas. As regiões de Dourados, Caarapó, Amambai, Sidrolândia e Coronel Sapucaia concentram os principais focos de tensão.
Em 2023, o STF derrubou a tese do marco temporal, abrindo espaço para a ampliação de áreas reconhecidas como de ocupação tradicional mesmo sem comprovação de posse até 1988. Em resposta, o Congresso aprovou a Lei 14.701, que foi sancionada com vetos e reacendeu o impasse entre os poderes.
Agora, caberá ao STF definir a validade dessa nova legislação, sob relatoria de Gilmar Mendes, que tenta costurar um acordo que contemple indenizações integrais aos produtores e respeito aos direitos indígenas, com base em critérios técnicos e históricos.
Famasul reforça papel institucional
A Federação da Agricultura e Pecuária de MS tem mantido atuação firme nos debates nacionais. Marcelo Bertoni tem participado de reuniões com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), CNA e ministros do Supremo para defender a pacificação no campo. “Não se trata de um embate entre povos. Trata-se de fazer justiça sem romper com os direitos que garantem a vida produtiva de milhares de famílias”, tem destacado.
A expectativa do setor é que o STF reconheça a constitucionalidade do novo marco legal e que indenizações integrais se tornem regra nos processos de demarcação, evitando que o ônus da omissão estatal recaia sobre quem sempre produziu legalmente.
Por: Henrique Theotônio
