
Mato Grosso do Sul vive hoje um dos principais gargalos do agronegócio brasileiro: a falta de capacidade de armazenagem de grãos.
Segundo estudo técnico da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso do Sul (Aprosoja/MS), o Estado possui déficit estrutural de 11,1 milhões de toneladas. A produção média de soja e milho ultrapassa 22,9 milhões de toneladas por safra, mas a capacidade instalada é de apenas 16,4 milhões, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Sistema de Informação Geográfica do Agronegócio (SIGA/MS).
O desequilíbrio é significativo. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) recomenda que a estrutura de armazenagem seja 20% superior ao volume produzido — padrão que colocaria Mato Grosso do Sul ainda mais distante da capacidade ideal.

“O déficit de armazenagem é um gargalo que compromete a competitividade do nosso produtor. Sem espaço suficiente para estocar, ele é obrigado a vender logo após a colheita, muitas vezes em condições desfavoráveis de mercado”, alerta Jorge Michelc, presidente da Aprosoja/MS.
Concentração e vulnerabilidade
O levantamento mostra que 73 dos 78 municípios analisados apresentam déficit de armazenagem. A situação é crítica em regiões de alta produtividade como Maracaju, Ponta Porã, Rio Brilhante, Aral Moreira e São Gabriel do Oeste.


Os cinco maiores municípios concentram 49% da capacidade total de armazenagem, mas apenas 38% da produção estadual, o que evidencia a desigualdade regional na infraestrutura.
Em 2014, o Estado tinha capacidade para 9 milhões de toneladas; em 2025, o número chegou a 16,4 milhões, um avanço de 82%. No entanto, a produção saltou 69% no mesmo período — de 17,2 milhões para 29,1 milhões de toneladas. O resultado foi um aumento do déficit, que hoje passa de 12 milhões de toneladas em anos de safra recorde.
Risco à qualidade e perdas econômicas
A carência de silos obriga muitos produtores a recorrerem a silo bolsa, adiar a colheita ou até armazenar a céu aberto, o que expõe os grãos à umidade e variações de temperatura. Isso eleva o risco de perdas e reduz a qualidade da soja e do milho.
“Sem armazéns adequados, o produtor perde poder de decisão e competitividade. Além de vender mal, ele assume riscos de deterioração do produto”, explica Flávio Faedo Aguena, assessor técnico da Aprosoja/MS e responsável pelo estudo.
Aguena também aponta que a logística é parte essencial da solução.
“Melhorar a malha viária e ampliar modais como ferrovias e hidrovias pode aliviar a pressão sobre os armazéns, garantindo que os grãos fluam de forma constante para os portos”, complementa.
Ações do governo e oportunidades de investimento
O secretário de Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, reconhece o problema e vê nele uma oportunidade de investimento privado e cooperativo.
“O Governo de Mato Grosso do Sul tem direcionado esforços para estimular a armazenagem nas propriedades rurais, especialmente por meio de linhas de crédito do FCO (Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste). O FCO oferece prazos mais longos e juros competitivos, fatores decisivos para viabilizar projetos de armazenagem”, destaca.
Entre as ações em curso, o Estado aposta na retomada da malha ferroviária, no uso da hidrovia do Rio Paraguai e na Rota Bioceânica, que deve reduzir custos logísticos e diversificar os modais de transporte.
A Semadesc também defende que linhas de crédito específicas, como as do antigo BNDES Armazenagem, sejam reativadas, uma vez que as atuais, baseadas na Selic, tornam os projetos economicamente inviáveis.

Soluções e o papel da gestão do produtor
Especialistas da Aprosoja/MS destacam que, enquanto novas estruturas não são construídas, os produtores podem adotar estratégias de gestão comercial e logística para minimizar perdas.
Entre as medidas estão a venda antecipada de parte da safra no mercado futuro, investimentos em armazéns próprios (mesmo em menor escala) e planejamento de frete e colheita com antecedência.
“Investir em armazenagem, ainda que modesta, dá poder de barganha. O produtor ganha tempo para vender no momento certo e evita a venda forçada em períodos de baixa”, pontua Aguena.
Perspectiva de futuro
As projeções da Conab indicam que a safra nacional de grãos pode alcançar 350,2 milhões de toneladas em 2025, alta de 16,3% sobre 2024. Se o ritmo de crescimento da produção sul-mato-grossense continuar, o déficit pode se ampliar, caso não haja aceleração na construção de novos silos.
A Aprosoja/MS defende que o diagnóstico sirva como base para políticas públicas e investimentos privados, reforçando que a armazenagem é um elo estratégico entre a produção e o mercado.
“O futuro do Estado depende de uma rede de armazenagem moderna e estrategicamente distribuída. Essa infraestrutura permitirá que o produtor tenha mais poder de decisão e aumente a rentabilidade, fortalecendo o protagonismo do Mato Grosso do Sul no agronegócio nacional”, conclui Jorge Michelc.
Por: Henrique Theotônio e Amanda Coelho
Com informações Aprosoja-MS/Semadesc
