
A morte de dois homens no último domingo (16) — o indígena Vicente Fernandes Vilhalva, 36 anos, e o vigilante Lucas Fernando da Silva, 23 — expôs novamente a crise fundiária que há mais de uma década aterroriza produtores e trabalhadores rurais de Iguatemi, no sul de Mato Grosso do Sul. A região vive um cenário permanente de tensão desde 2013, quando mais de 40 mil hectares foram delimitados pela Funai como Terra Indígena Iguatemipeguá I, mesmo havendo sobreposição com diversas propriedades produtivas instaladas legalmente há décadas.
Desde então, proprietários rurais relatam invasões recorrentes, destruição de estruturas, cerco a fazendas e intimidação a trabalhadores, o que transformou a rotina na área em um ambiente de medo permanente.
Produtores sob pressão
Apesar de a Justiça ter reconhecido apenas 90 hectares como área de ocupação indígena em 2014, grupos da comunidade passaram, nos anos seguintes, a ampliar sucessivamente o território, realizando o que chamam de “retomadas”. Em outubro deste ano, por exemplo, uma parte da Fazenda Cachoeira foi tomada, e desde 2015 a Fazenda Cambará também sofre ocupações.
Proprietários afirmam que vivem sem segurança jurídica e denunciam que a situação foge totalmente ao controle do Estado. A sobreposição envolve ao menos cinco fazendas, onde cerca de 60 famílias produzem, trabalham e dependem da terra para sobreviver.
Clima de violência e cerco a propriedades
No domingo, segundo a Funai, cerca de 20 homens partiram de uma área indígena e cercaram a região, destruindo barracos e bloqueando acessos — ação que, conforme relatos de produtores, também impediu a entrada da Força Nacional, que só conseguiu chegar ao local por rotas alternativas, passando por fazendas vizinhas.
Durante o confronto, Vicente foi morto com um tiro na nuca. A Sejusp afirma que o disparo saiu da arma de outro indígena, Valdecir Alonso Brites, preso em flagrante.
Já o vigilante Lucas Fernando, contratado para reforçar a segurança da fazenda, morreu por ruptura hepática e choque hemorrágico, resultado de forte trauma abdominal. Ele trabalhava no local havia apenas uma semana e teria registrado parte do conflito em vídeo — material entregue à Polícia Federal.
Para os produtores, a morte do jovem expõe o cenário de vulnerabilidade da área rural: “Estamos desprotegidos. Trabalhar aqui virou roleta-russa”, relatam moradores, que pedem reforço permanente de segurança e uma solução definitiva da Justiça.

Retomadas constantes e episódios anteriores de violência
Nas últimas semanas, a tensão aumentou. O Cimi confirma que quatro ataques ocorreram apenas no mês de novembro, incluindo agressões a jornalistas e documentaristas que filmavam a região em 2023.
Em outubro, outro município da região, Caarapó, registrou incêndio em uma propriedade privada após nova retomada, obrigando o Ministério da Justiça a manter a Força Nacional de forma contínua no sul do estado.
Produtores afirmam que o governo federal tem ignorado os impactos econômicos e humanos desses conflitos e que suas propriedades, legalizadas e produtivas, passaram a ser “moeda de disputa” em um processo demarcatório sem conclusão definitiva desde 2013.
Judiciário reage após mortes
Nesta segunda-feira (17), a Justiça Federal proibiu a atuação de forças estaduais dentro da área retomada, fixando multa de R$ 1 milhão em caso de descumprimento. A decisão — tomada após as manifestações da Funai, do MPF e do Governo do Estado — preocupa os fazendeiros, que temem ficar ainda mais vulneráveis.
Enquanto isso, o processo de demarcação da Terra Indígena Iguatemipeguá I segue inconcluso há mais de dez anos, deixando produtores e trabalhadores em uma espécie de limbo jurídico que alimenta a escalada de violência.


Produtores pedem respeito ao direito de propriedade e segurança para trabalhar
Para quem vive e produz na região, a situação chegou ao limite. Propriedades produtivas, muitas com décadas de atividade, tornaram-se alvo de disputas e ataques que colocam vidas em risco e inviabilizam investimentos. “Não somos inimigos de ninguém. Só queremos trabalhar em paz e ter nossas famílias protegidas”, afirmam produtores locais.
Enquanto governo e Justiça não oferecem uma solução definitiva, a região segue dividida entre retomadas, decisões judiciais, cerco a propriedades e mortes — e quem vive da terra permanece como o elo mais frágil desse conflito que parece longe de terminar.
Por: Amanda Coelho
Fotos: Divulgação/Internet
