
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) protocolou, nesta segunda-feira (24), uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão imediata de portarias e decretos do governo federal que oficializam novas demarcações de terras indígenas. No pedido, a entidade sustenta que as medidas — assinadas por autoridades do Executivo — avançam sobre áreas em disputa enquanto o Supremo ainda analisa a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, o chamado marco temporal.
Segundo a CNA, as “portarias declaratórias” e “decretos homologatórios” têm agravado um panorama de instabilidade política e social que já tensiona comunidades rurais em várias regiões do país, com destaque para o Mato Grosso do Sul. Para a entidade, a postura do Executivo representa “completa deslealdade” com o STF e com o Congresso Nacional, ao promover formalizações que, na avaliação da confederação, deveriam aguardar a decisão final da Corte.
“Ao publicar atos que reconhecem áreas como tradicionalmente indígenas enquanto a matéria está em julgamento, o Executivo demonstra que nunca atuou com lealdade processual nem respeitou o esforço de diálogo promovido pelo Supremo”, diz trecho do documento da CNA. A entidade afirma ainda que a adoção de medidas sem consenso institucional agrava a insegurança jurídica e pode estimular conflitos no campo, prejudicando principalmente pequenos e médios produtores.
Produtores na defensiva e risco de novas ocupações
Produtores rurais ouvidos pela CNA e por representantes do setor têm afirmado que as recentes publicações federais vêm sendo interpretadas como autorização tácita para ocupações e invasões em propriedades privadas. A confederação aponta que, em municípios do Mato Grosso do Sul e em outras unidades da Federação, proprietários vivem hoje em estado de apreensão, sem saber se poderão ser atingidos por reconhecimentos administrativos enquanto não houver uma definição judicial.
No pedido ao STF, a CNA alerta que a prática do governo pode configurar uma seletividade no tratamento de direitos fundamentais, em que o direito de propriedade — crucial para a economia rural e para a manutenção de empregos no campo — estaria sendo relativizado. A entidade pede que o tribunal suspenda os atos administrativos até a decisão definitiva sobre a Lei 14.701/2023, evitando efeitos concretos que, no entender da confederação, podem ser irreversíveis.

A Mesa de Conciliação e a sensação de quebra de compromisso
O documento também lembra que o Supremo criou uma Mesa de Conciliação com participação do Executivo, de representantes indígenas e do setor produtivo para buscar soluções negociadas. Para a CNA, a publicação das portarias e decretos revela que o governo não estava comprometido com o diálogo proposto pela Corte, tornando a negociação mais difícil e aprofundando a crise de confiança entre as partes.
O que está em jogo
A disputa em torno do marco temporal e das demarcações envolve questões constitucionais, direitos originários de povos indígenas, segurança jurídica e a proteção do direito de propriedade. Além das implicações legais, há riscos sociais tangíveis: potencial aumento de conflitos no campo, insegurança para famílias que vivem da agropecuária e impactos econômicos locais.
Reações e encaminhamentos possíveis
Fontes do setor produtivo e lideranças rurais já anunciam que vão acompanhar o pedido no STF e avaliam buscar medidas judiciais e administrativas para proteger propriedades. Do outro lado, lideranças indígenas e organismos de defesa dos direitos originários tendem a lembrar que decisões administrativas fazem parte do reconhecimento de direitos historicamente negados — e que a proteção desses direitos também exige atenção e celeridade.
Especialistas consultados para esta reportagem (ou a quem recomendamos ouvir para a versão final) incluem juristas constitucionais, representantes do Ministério Público Federal, pesquisadores em direito agrário e lideranças locais do Mato Grosso do Sul que podem detalhar casos concretos de conflito e a dimensão socioeconômica da questão.
Governo Federal ao lado do invasor
A ação da CNA no STF expõe, de forma explícita, a tensão entre medidas administrativas do Executivo e o debate jurídico em curso sobre o marco temporal. Para produtores do Mato Grosso do Sul e de outras regiões, a combinação de portarias, decretos e a falta de uma resposta institucional clara alimenta um cenário de insegurança — com risco real de novas ocupações, litígios prolongados e impacto econômico local. Cabe agora ao Supremo avaliar o pedido de suspensão e ao Executivo explicar a compatibilidade de seus atos com o dever de aguardar o desfecho judicial e preservar a estabilidade social.
Por: Henrique Theotônio e Amanda Coelho
