A crise diplomática e econômica criada pelo CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, envolvendo a sua decisão de barrar a compra de carne oriunda do Mercosul, escalou rapidamente nos últimas dias. Desde a quinta-feira (21), JBS, Marfrig e Minerva interromperam os envios dos lotes para as lojas, apurou o Valor, após governo e associações criticarem duramente a postura da rede na França. As 430 lojas do Atacadão e do Sam’s Club, somadas, não recebem produtos desde a sexta-feira (22), o que deve reduzir tráfego de clientes e venda.
No Atacadão e no Sam’s, são cerca de quatro dias de estoque de carnes de alto giro (como fraldinha, patinho, acém), apurou o Valor, logo, haveria risco de desabastecimento já a partir de hoje. Nos 200 supermercados e hipermercados do grupo, a média é de oito dias, então se as entregas não se normalizarem, a rede terá problemas a partir do fim desta semana, quando ocorre a “Black Friday”.
Eventuais rupturas até podem ocorrer em lojas antes disso. A questão é que a falta da carne pode afetar a venda de outros itens, pois é um produto que, em caso de ruptura, leva o cliente a procurar outra loja. Um a cada quatro carrinhos de compra no Carrefour tem a carne presente, disse uma fonte.
Segundo uma fonte, “caminhões da JBS que estavam no meio do percurso para a entrega nas lojas de atacado [na sexta-feira] voltaram para trás”.
Por que o Carrefour não vai mais comprar carne do Mercosul?
Na quarta-feira (20), o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, publicou um comunicado oficial do Carrefour, na rede LinkedIn, afirmando que “em solidariedade com o mundo agrícola” francês, a empresa não iria mais vender nenhuma carne de países do Mercosul. Na nota, ele não disse que a medida se aplicava à França, algo que a empresa passou a informar depois — para alguns, tentando já contornar o problema criado.
Bompard justificou que a medida era em solidariedade aos agricultores franceses, que protestam contra a proposta de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, disse.
Em Brasília, o clima em relação à varejista, que no passado recente já não era bom, azedou. Ao fim de uma reunião entre o presidente Lula e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, na quinta-feira, o petista pediu que o ministro ajudasse a cuidar desse problema, e criticou a fala de Bompard. Segundo uma fonte, na conversa, foi lembrado o episódio da morte de um cliente negro numa loja do Carrefour, em 2020.
No mesmo dia, cinco entidades do setor mais a Fiesp, federação das indústrias, publicaram nota e organizaram um boicote contra a varejista, com apoio dos frigoríficos. Afirmaram que, se o Mercosul não é fornecedor à altura do mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país. O receio das empresas é que a atitude de Bompard leve outros países a adotar o mesmo tom.
Fávaro teria ligado, na quinta-feira, para Renato Costa, presidente da Friboi (JBS), e criticado as declarações de Bompard. Naquele momento, conforme uma fonte, a JBS já tinha tomado a decisão de cancelar as entregas ao Carrefour.
Surgiram informações no mercado, porém, de que a decisão foi tomada após a ligação do ministro. O comando do Carrefour ligou para Costa, mas não houve acordo.
Procurado, o ministro não comentou uma eventual ligação, e apenas disse que “ficou muito feliz” com a atitude dos frigoríficos. “Parabenizei e apoiei a atitude deles. O presidente Lula soube da ação e gostou. Trata-se de soberania”, afirmou.
Cerca de 80% da venda de carne do Carrefour são de produtos do grupo JBS. A companhia é da família Batista, cujos controladores têm um bom trânsito junto ao atual governo pestista.
Cerca de 5% das vendas do grupo vêm de carnes em geral (bovino, aves e suínos), e a metade disso, 2,5%, refere-se só a venda de carne bovina para todas as bandeiras, dizem duas fontes consultadas. Ao ano, equivale a cerca de R$ 3 bilhões.
O Valor apurou ontem que a JBS e Marfrig já contatou outros atacados e varejistas para receber os lotes — Assaí e GPA podem ficar com os produtos, mas é pouco provável que isso reduza preço, pois a oferta de carne no país está baixa. A análise inicial de duas cadeias de varejo ouvidas é que JBS, Marfrig e Minerva não devem ter impacto relevante com o cancelamento dos envios.
A questão central, agora, é qual deve ser a movimentação de Bompard para tentar sair dessa crise, sem se desgastar lá fora, e acalmando os ânimos por aqui. Nos bastidores, a direção do Carrefour no Brasil — que foi pega de surpresa pela nota de Bompard — busca caminhos para reduzir a pressão, e uma das soluções passava por um pedido de desculpas ao governo e às associações por parte do comando no Brasil e na França.
Mas a ideia não caiu bem entre as entidades e o Ministério da Agricultura, que querem uma retratação pública de Bompard, atualmente, o homem mais poderoso no Carrefour e amigo do presidente francês Emmanuel Macron. Uma das versões no mercado é que Bompard consideraria ocupar um cargo público, e teria “aspirações políticas” no governo francês.
Nos corredores da companhia, a postura do CEO global tem sido questionada. A reportagem apurou que a Península Participações, empresa de investimentos da família de Abilio Diniz, com duas cadeias no conselho de administração na França, ficou bastante incomodada com as declarações.
Além disso, o conselho, com 15 membros, sendo 12 franceses, não foi consultado sobre o comunicado. A avaliação é que Bompard tem considerável poder e influência na empresa e no conselho mundial hoje.
“Bompard teria que colocar a empresa e seus acionistas globais acima dos interesses dele e da França”, disse um ex-executivo do Atacadão. “Pelo menos até agora [ontem], a posição é que ele não vai pedir desculpas, porque isso iria desgastá-lo junto aos produtores franceses”, disse a fonte.
Procurado, o Carrefour divulgou nota admitindo que a suspensão no fornecimento impacta a eles e aos clientes. Lamentou a atual situação e reafirmou a confiança no setor agropecuário, com o qual sempre manteve “uma relação sólida”. JBS, Marfrig e Minerva não se manifestaram.
Por: Globo Rural