
Mesmo diante de alertas do setor produtivo e de entidades empresariais, o governo federal não tomou medidas diplomáticas ou comerciais eficazes para impedir o aumento das tarifas de importação anunciado nesta quarta-feira (30) pelos Estados Unidos. A gestão do presidente norte-americano Donald Trump oficializou a imposição de uma sobretaxa de 40% sobre determinados produtos brasileiros, elevando a tarifa total para 50%. Desde abril, os produtos já estavam sujeitos a um imposto de 10%.
O comunicado do governo americano afirma que a medida é uma reação às “ações recentes do Governo do Brasil que constituem uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos”.
Entre os pontos citados pela Casa Branca estão restrições à liberdade de expressão, perseguições políticas, censura e processos judiciais que estariam sendo movidos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e apoiadores. Também se menciona um ambiente jurídico e institucional que teria gerado insegurança para empresas americanas em solo brasileiro.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, é nominalmente citado como responsável por ações que teriam “ameaçado, perseguido e intimidado milhares de opositores políticos” e por reprimir dissidências políticas “em detrimento das empresas dos EUA que operam no Brasil”.

Setor agropecuário pode ser um dos mais afetados
Apesar de o documento não especificar os setores atingidos, analistas avaliam que o agronegócio brasileiro pode ser fortemente impactado. Os Estados Unidos são um dos maiores compradores de produtos de alto valor agregado do Brasil, como suco de laranja, carne industrializada, couro, tabaco processado e produtos florestais.
Segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o agronegócio brasileiro exportou, em 2024, um total de US$ 166,5 bilhões, com destaque para a soja (US$ 62 bilhões), carne bovina (US$ 9,3 bilhões) e celulose (US$ 10,7 bilhões). Desse total, cerca de US$ 8,9 bilhões foram destinados ao mercado norte-americano, o que coloca os EUA como o terceiro principal destino das exportações agro nacionais — atrás apenas da China e da União Europeia.
Mato Grosso do Sul, por exemplo, enviou mais de US$ 160 milhões em carne bovina para os EUA em 2024, um aumento de 22,5% em relação ao ano anterior, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
“Há um impacto direto na competitividade de nossos produtos. Tarifas dessa magnitude inviabilizam operações e podem tirar o Brasil de mercados estratégicos”, alertou recentemente Paulo Matos, presidente da Associação dos Criadores de Nelore de MS (Nelore MS), durante evento em Campo Grande.
Entidades se mobilizaram, mas faltou resposta do Planalto
Diversas entidades ligadas ao setor produtivo e ao comércio exterior já vinham expressando preocupação com o ambiente político interno e suas repercussões externas. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) fizeram apelos públicos e enviados reservados ao Itamaraty, cobrando uma ação diplomática preventiva, sem sucesso.
“Não houve reação formal do governo brasileiro nem no campo diplomático, nem por meio de retaliação comercial. Perdemos espaço sem sequer disputar”, criticou um membro da FPA sob reserva.
Tensões institucionais podem custar caro ao Brasil
Especialistas apontam que a deterioração institucional brasileira tem elevado o chamado “risco-Brasil” e afastado investimentos estrangeiros. A decisão americana reforça esse cenário. Além de destacar o STF, o comunicado da Casa Branca cita investigações contra cidadãos norte-americanos por postagens em redes sociais feitas nos EUA, como o caso de Paulo Figueiredo, alvo de um processo criminal em curso no Brasil.
Para a União Nacional da Pecuária de Corte (Unapec), a medida é “preocupante e exige respostas firmes do Estado brasileiro”. Em nota, a entidade ressaltou que o setor não pode pagar a conta de um conflito político-ideológico interno.
“Temos que resgatar a previsibilidade institucional e a estabilidade jurídica. Isso é vital para quem produz e exporta”, declarou Guilherme Bumlai, presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul).

Exportações podem recuar em 2025
Com a nova tarifa, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o Brasil pode perder até US$ 2,4 bilhões em exportações para os EUA apenas em 2025. O impacto deve se concentrar nos produtos de maior valor agregado, prejudicando principalmente o agronegócio industrializado e o setor de biocombustíveis.
Enquanto isso, países concorrentes como México, Argentina e Austrália, que mantêm acordos comerciais mais estáveis com os EUA, devem ocupar o espaço perdido.
Da redação Caderno Agro
