
O incêndio criminoso ocorrido no último sábado (25), em uma fazenda na zona rural de Caarapó (MS), acendeu novamente o debate sobre a insegurança jurídica e o avanço das invasões de terras produtivas em Mato Grosso do Sul. A ação foi atribuída a um grupo de cerca de 30 indígenas da etnia Guarani-Kaiowá, que ocuparam a Fazenda Ipuitã, incendiando a sede e um trator antes de deixarem o local, segundo informações confirmadas pela Polícia Militar.
A propriedade, localizada nas proximidades da aldeia Tey’i Kue, está há quase um mês sob disputa judicial, em razão de um processo de demarcação de terras ainda não concluído pela Funai. Parte do território foi reconhecida como área indígena, mas a área onde está a fazenda segue registrada em nome de produtores rurais, que a exploram legalmente há décadas.

Produtores pedem garantias e respeito à lei
Para as entidades do setor produtivo, o caso é mais um episódio que evidencia o clima de tensão e insegurança jurídica vivido pelos proprietários rurais em regiões de conflito. A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) divulgou nota condenando o ataque e cobrando a atuação imediata das autoridades.
“Não se pode admitir que o direito à propriedade privada, assegurado pela Constituição, seja violado por atos de vandalismo e violência. Os produtores rurais são trabalhadores que geram emprego, renda e alimentos, e precisam ter segurança para produzir”, afirmou Marcelo Bertoni, presidente da Famasul.
A entidade lembrou ainda que o estado tem sido palco de recorrentes invasões, especialmente nas regiões de Dourados, Amambai e Caarapó. Segundo levantamento da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), o número de invasões de terras em 2024 aumentou 32% em todo o país, atingindo propriedades produtivas, o que preocupa o setor.
Demarcações sem critério e judicialização
Em Caarapó, a disputa envolve a sobreposição entre áreas reconhecidas como indígenas e propriedades rurais regularizadas há mais de 40 anos. O processo está em análise no Supremo Tribunal Federal, que discute a aplicação do marco temporal, tese que define que terras só podem ser consideradas indígenas se ocupadas de forma permanente em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Para o advogado e produtor rural Luiz Carlos Moretti, de Dourados, o episódio reforça a urgência de uma decisão definitiva sobre o tema.
“Enquanto o marco temporal não for consolidado, o campo vai continuar sendo palco de conflitos. Não se trata de negar direitos indígenas, mas de respeitar quem comprou, investiu e trabalha de forma legítima”, afirmou.
Prejuízos e medo no campo
De acordo com informações de moradores da região, os prejuízos na Fazenda Ipuitã são significativos. O fogo destruiu o trator, maquinários e toda a estrutura da sede, incluindo moradias de funcionários. Apesar da gravidade, ninguém ficou ferido. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil de Caarapó, que deve apurar o crime de dano qualificado e invasão de propriedade.
A Confederação Nacional da Agricultura destacou que o estado de Mato Grosso do Sul é o segundo com maior número de áreas em disputa no país, atrás apenas do Pará. Os municípios de Douradina, Amambai, Caarapó e Laguna Carapã concentram a maioria dos registros de conflito.
Pedido de ação das autoridades
Entidades como a Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul) e a Unium Pecuária também cobraram providências.
“A impunidade alimenta novos ataques. O produtor está desamparado. Queremos paz no campo e segurança para trabalhar”, afirmou Guilherme Bumlai, presidente da Acrissul.
A Famasul reiterou que vai acompanhar o caso e prestar apoio jurídico à família proprietária da Fazenda Ipuitã. O governo estadual informou que o GECIF (Grupo Estadual de Combate a Invasões de Terras) acompanha o caso e reforçou o policiamento na região.
Conflitos fundiários em Mato Grosso do Sul
| Indicador | Dado |
|---|---|
| Áreas em disputa (2025) | 37 regiões identificadas |
| Municípios mais afetados | Caarapó, Amambai, Dourados e Paranhos |
| Crescimento de invasões (2024–2025) | +28% |
| Produtores afetados | Mais de 120 famílias |
| Fonte | CNA / Famasul / Comissão de Assuntos Fundiários do MS |
Análise:
O caso de Caarapó é mais um retrato de uma situação que exige equilíbrio, mas sobretudo respeito ao Estado de Direito. O campo sul-mato-grossense, um dos motores do agronegócio nacional, não pode seguir refém da insegurança jurídica e da omissão das autoridades diante de crimes cometidos em nome de disputas territoriais ainda sem decisão final.
Por: Amanda Coelho
